03 de Novembro de 1996

Já passou, praticamente, um mês desde que eu fui àquele bar. Confesso-te que nem o nome sei. A Amélia está sempre a tentar convencer-me a ir lá e tentar descobrir quem ela é, mas falta-me a coragem. Por outro lado, algo inexplicável, faz com que eu não esqueça aquela mulher...

06 de Outubro de 1996

Estou a preparar-me para sair. A Amélia conseguiu convencer-me a ir ao tal bar e ver a tal rapariga. Ela tem um poder de argumentação e persuasão, incríveis!

-Já estás?

-Prontinha! - responde-me com aquele brilho nos olhos, característicos de quando ela consegue convencer alguém a fazer aquilo que ela quer. Matreira, tal e qual uma raposa!

O Pedro estava à nossa espera no carro. Ele confirmou a história. Confesso que cada vez fico mais confusa.

O novo bar é um pouco estranho... pelos menos, essa a minha opinião. Contudo, mal lá entrei senti-me bem. O que é estranho porque eu nunca fui adepta daquele tipo de bares, apesar de não ter nada contra a comunidade gay.

-Lá está ela, disse-me a Amélia ao ouvido.

Senti um aperto no peito. Eles tinham razão! Ela é mesmo igual a mim! O que é que faço? Vou ter com ela? Que confusão!

Como era de esperar, eu fugi. Já sei o que me vais chamar: covarde! Tens razão. Mas o que é querias que eu fizesse? Que chegasse ao pé dela e dissesse: "olha eu sou igual a ti. Não é grande a coincidência?".

05 de Outubro de 1996

A Amélia ainda dorme. Eu, simplesmente, não dormi mais esta noite. Que conversa de loucos!, Uma irmã gêmea! O pior é que ela conseguiu deixar-me intrigada...

Telefonei à minha mãe e ela, depois de me chamar a mim e à Mélinha de desequilibradas mentais, garantiu-me que eu era mesmo filha única. Ela disse a verdade, euu sinto logo quando a minha mãe esconde alguma coisa.

04 de Outubro de 1996

Algo de muito estranho aconteceu à Amélia. Ela foi a um novo bar e quando chegou, parecia transtornada.

-Rita, estás acordada? Precisas de me ouvir! É fantástico e ao mesmo tempo, tão confuso...

-Então, Amélia! São quatro da manhã... queres fazer o favor de me deixar dormir?

-Rita, não estou a brincar, acorda!

-Eu não acredito...

Ao mesmo tempo que eu me levantava e me dirigia à cozinha para ir buscar um copo de leite, ela não parava de falar. Tão depressa como se tivesse alguém a correr atrás dela (como é natural quando ela conta alguma novidade).

- Amélia, fala um pouco mais devagar: eu não entendi nada!...

Tudo de novo: que tinha saído com o novo namorado, tinham ido ao novo bar da cidade, tomado umas bebidas, dançado...

- Eu não acredito que tu me tenhas acordado para me contar isso! Amanhã também é dia, sabias? Agora, deixa-me dormir...

-Rita... tens alguma irmã gémea? - perguntou-me com uma expressão assustadora.

-Mélinha: o que é que te deu hoje? Ou melhor, o que é que andaste a beber? Já não te disse para não fazeres misturas? Isso só te faz mal!

-Tens ou não? Responde-me!

- Tomando em consideração que nós nos conhecemos desde que nascemos, tenho a certeza que tu sabes, perfeitamente, que eu sou filha única. Não?

-Isso é o que eu pensava, até eu ver aquela rapariga no bar. Devias vê-la! Ela é igual a ti: a mesma cor de cabelo, a mesma cara, a mesma estatura...

Lá estava a Amélia a delirar, outra vez. Se eu não vou com ela, começa a fazer misturas com as bebidas e é nisto que resulta: são 4.30 da manhã e eu estou aqui a fazer um esforço enorme para me manter acordada, enquanto a minha querida amiga jura de pés juntos que viu a minha sósia... não há paciência!

Finalmente, dormiu. Estou tão cansada... acho que vou dormir, também. Afinal, ainda me restam algumas horas. Graças a Deus que amanhã é feriado!

01 de Outubro de 1996

As aulas começaram hoje. Finalmente, o último ano da faculdade! Daqui a uma ano vou ser professora...

Eu e a Mélinha conseguimos o mesmo horário, o que é óptimo: assim, vamos e vimos juntas. Conhecemos os nossos novos colegas... se os visses, caías!

15 de Setembro de 1996

O verão está a acabar. vai começar um novo ciclo, uma nova etapa e, quem sabe, um novo amor? Quando terminei com o Tomás, prometi que jamais me iria permitir apaixonar fosse por quem fosse. Mas, agora, admito: sinto a falta de alguém. Para poder abraçar, sentir o cheiro, para aquecer-me os pés nesta estação que está prestes a chegar...

Sabes uma coisa? Acho que a melancolia atacou-me. E foi com tanta força...

03 de Julho de 1996

A minha casa nova é linda! Tem dois quartos (um para mim e outro para a Mélinha), uma sala, uma casa de banho e uma cozinha. Fica perto da nossa faculdade e do hospital Não é óptimo? Assim, se nós nos matarmos, ficamos perto da morgue!

Estou a brincar, claro! Eu e a Amélia somos como irmãs, ajudamo-nos uma à outra em tudo, até quando precisamos de um ombro para dar largas à nossa auto-piedade e chorar, chorar muito: porque as feridas, só o tempo cura e o tempo custa tanto a passar...

15 de Julho 1996

A mudança está a ser o máximo! A Amélia é o remédio que me estava a faltar. Só diz disparates e está sempre a rir. Com ela nunca existem dias de Inverno. Mais uns dias e mudo-me para a minha casa nova. Não é fantástico?

01 de Julho de 1996

Basta!

Basta de tanta auto-piedade. Mais um pouco e morro desidratada de tanto chorar! Sabes que mais? Cansei-me. De tantas lamúrias, de tantas "coitadinha, foram tantos anos" e "pensei que iam casar" ou "ele era tão bom rapazinho". Fiz o que fiz e não me arrependo! Quem gosta de servidão e monotonia são as freiras e eu não tenho qualquer vocação para morrer enclausurada num convento.

Resolvi mudar de vida. Vou alugar uma casa com a Amélia. Ela vai fazer-me bastante bem. E eu, vou fazer tudo o que não fiz durante estes anos todos porque o Tomás, "tão bom rapazinho", não queria, não gostava ou, ainda, porque tinha outros planos em que eu não estava incluída.

Enfim: Vou Viver!

01 de Junho de 1996

Não tenho tido nem forças nem coragem para escrever. Sinto-me o ser mais ínfimo de todo o universo. Tão pequena que só posso ser detectável num microscópio electrónico.

Já chorei, já gritei, já me arrependi, já me lamentei, inclusivé, já me arrependi de me ter arrependido... não adianta. Nada me ajuda a esquecer o tempo perdido.

19 de Maio de 1996

Hoje estive com o Tomás. Foi aquela tempestade de sempre. Será que já não conseguimos estar juntos sem haver tentativas de homicídio entre nós?

Sinto-me uma prostituta que, nem sequer vende (!), dá o seu corpo em troca de uns míseros momentos de carinho... e que no fim, descobre que já não há mais lugar para tais luxúrias.

15 de Maio de 1996

Meu querido diário:

Hoje faço anos!!!!

Não te deixes enganar pelo exagero das exclamações. Eu não estou assim, tão feliz como aparento estar. Mas tu sabes, é o meu vigésimo terceiro aniversário com direito a bolo, velas e uma pequena festa patrocinada pelos meus pais. Eu não tenho o direito de estragar tudo com uma cara de quem se lamentou toda a noite, não achas?

Mas é assim que eu estou. Triste como um dia escuro de Inverno... Claro, a história de sempre. O Tomás (para variar!) não pode vir cá. Está demasiado ocupado com a sua demanda contra as tão mal faladas propinas!

Queres u conselho de amiga? Nunca namores com alguém que te coloque no fim da sua lista de prioridades. Isso não é viver...

Este diário pertence...

...a mim!!!

Foi a minha prenda - antecipada - de aniversário! Foi a Mélinha que me deu... diz que uma romântica como eu precisa de ter um diário.

Rita
 
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